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Beeshas do Brasil: O pioneirismo da estrela Rogéria

Hoje em dia, apesar de toda a homofobia que tenta imperar no Brasil, é relativamente mais fácil viver sua sexualidade. Mas imagine há quarenta e cinco anos? Naquela época, homossexual era sinônimo de bandido, marginal, doente e pária da sociedade. Os gays – fossem travestis, transexuais, homens que transavam com homens – tinham três opções de vida: a marginalidade, o armário ou… o brilho dos holofotes.

Astolfo Barroso Pinto escolheu a terceira. Nascido com esse nome – por incrível que pareça, já que o segundo sobrenome dá margem a duplo sentido -, em Cantagalo, município carioca, em 1943, já na adolescência passou a se travestir, e não demoraria para adotar o nome que o tornaria célebre: Rogéria.

Rogéria era atração do bairro onde morava com sua família, e tinha o apoio de sua mãe, Eloá, e de seus dois irmãos. Surpreendentemente, a família não discriminava a jovem Rogéria – que na época ainda era chamada de Astolfinho. E foi ainda no final dos anos 50 que ela se jogou na noite.

"Toda boneca faz seu debut, e eu para não fugir à regra também fiz o meu, porém na Cinelândia", contou ela, referindo-se ao clássico bairro carioca. "Confesso que não me arrependo, pois lá perdi todos os meus recalques e fiz tudo que sempre tive vontade de fazer".

Em 1962, aos 19 anos, Rogéria já estava enfronhada no meio artístico. Trabalhava como maquiadora da TV Rio, onde maquiava estrelas como Fernanda Montenegro, Emilinha Borba, Marlene, Elizeth Cardoso e Nair Belo, entre outras. Foi nessa época que a atriz Zélia Hoffman passou a chamá-la de "Rogério", porque considerava "Astolfo" muito pomposo.

Em entrevistas, Rogéria já relembrou: "Enquanto eu maquiava, elas ficavam no meu ouvido atazanando que meu lugar não era ali e sim no palco. Foi quando perguntei pra Fernanda: Como é que eu vou para o palco vestida de mulher? E essa diva respondeu: Arte independe de sexo. Se você tem talento vai dar certo, não custa nada tentar. Aí eu fui e aconteceu!"

De Rogério passou a Rogéria, nome que foi celebrado quando ela venceu um concurso de fantasias em 1964. Vestida como Dama da Noite, uma das estrelas do Moulin Rouge de Paris, ficou em primeiro lugar, empatada com Suzy Wong. No mesmo ano, ela faz shows na boate Stop. "No primeiro que fiz, eu explorava muito aquele negócio de transformista. Uma boa peruca, pernas de fora e pronto", relembra.

Começava assim a carreira de Rogéria no teatro de revista, tornando-se famosa em uma área até então dominada por mulheres. Primeiro ela atuou no espetáculo "Internacional Set", até ir parar no "Les Girls", o mais importante show de travestis de todos os tempos. O projeto fazia uma turnê no Brasil, e Rogéria se juntou à trupe.

Na sequência, passou a ser a grande estrela de Carlos Machado, poderoso empresário do teatro de revista carioca das décadas de 50 e 60. Seu sucesso levou-a para fora do país – notadamente, a Europa e a África, onde fez shows em países como Moçambique, Angola e Espanha. Depois, França – Paris -, onde foi consagrada no famoso clube Carroussel. Nesta fase deixou o cabelo crescer, passou a fazer tratamento hormonal, e a figura feminina se impôs de vez.

Já estávamos então na década de 70, e com ela vinha a moda da androginia, da bissexualidade e do masculino-feminino – vide grupos como o Dzi Croquettes e o Secos & Molhados. Travestis e transformistas brasileiros causavam frisson em shows nas boates europeias. E em 1973, já superstar, Rogéria volta ao Brasil.

De lá para cá, nos últimos 35 anos, Rogéria tornou-se ícone popular do país. Presente no teatro, cinema, TV, figura marcante dos carnavais cariocas, celebridade admirada – por mulheres e, pasmem, homens -, ela permanece como uma diva que está acima dos rótulos. E tudo isso levando em conta a sua opção em não se operar. Rogéria sempre declarou-se feliz com seu órgão sexual.

Grandes montagens como "Gay Girls", "Gay Fantasy" e "Rio Gay", consagram ainda mais Rogéria. Faz parceria com Agildo Ribeiro em "Alta Rotatividade" (1976), atua na montagem brasileira de "Querelle" (1989, onde assume o papel feito pela francesa Jeanne Moreau no filme de Fassbinder), e excursiona com shows solo, como "Adorável Rogéria" e "Rogéria Solta". Mais recentemente, foi destaque em "7, o Musical", da dupla Charles Moeller e Cláudio Botelho.

No cinema, atuou em diversas produções, entre elas "A Maldição de Sanpaku" (1990, de José Joffily) e "Copacabana" (2011, de Carla Camurati, onde surge cantando "Rosa"). E na TV, foi presença constante, fazendo participações em novelas como "Tieta" (89) e "Paraíso Tropical" (2007), além de ter sido jurada do game show "Batalha dos Astros" (83, TV Globo), e ter participado de programas como "Sai de Baixo", "Você Decide", "Brava Gente", "A Grande Família", "Toma Lá Dá Cá" e "Amor & Sexo".

Aos 68 anos, Rogéria vai receber mais uma homenagem. Um documentário sobre ela começará a ser produzido em 2012, com o título "Rogéria Frente e Verso". Um projeto que vai imortalizar a vida e carreira de uma artista nacional que transcendeu a questão da identidade de gênero.

Agradecimentos: Site Estrela Rogéria
 

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