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Direitos: A luta de travestis e transexuais pela mudança de nome é considerada “mero capricho”

Foi destaque recente na mídia a decisão judicial que permitiu a mudança de nome de uma travesti de Rondônia. A decisão, em si, pode parecer mais do mesmo, já que desde 2009 o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul vem reconhecendo esse direito (vide Apelação n. 70022504849). Se o destaque que a decisão ganhou na internet não se deve ao ineditismo do direito reconhecido, então qual a novidade?

A novidade está na origem da decisão: estamos falando de uma sentença proferida numa cidade de médio porte do interior de Rondônia. Segundo o Ministério Público daquele estado, Anástacia Diniz Rezende foi a primeira travesti rondonense a ter seu registro adequado à sua identidade de gênero.

Ainda mais impressionante, talvez, é que estamos diante de uma decisão de primeiro grau, isto é, Anastácia ganhou sua ação na primeira tacada. Não precisou recorrer para o Tribunal de Justiça, que, se por um lado costuma ser ocupado por juízes mais antigos e conservadores, por outro tende a respeitar mais rigorosamente direitos e garantias individuais, bem como os precedentes do STJ. Sorte de Anastácia. Tão sortuda, aliás, que contou com o apoio da representante do Ministério Público que atuou em seu caso, a promotora de justiça Priscilla Matzenbacher.

O leitor desta coluna pode me perguntar: "Mas o que você esperava?". A resposta pode deixar muitos leitores de queixo caído, então segurem-se firme. Em pesquisa realizada a frente do Geds (Grupo de Estudos em Direito e Sexualidade da Faculdade de Direito da USP), meus colegas e eu descobrimos que falta sensibilidade no Judiciário: é comum encontrar decisões dos tribunais que desdenham de travestis e transexuais, referindo-se a elas como homens que querem mudar de nome por "mero capricho" (vida apelação 9103308-21.2008.8.26.0000).

O Ministério Público também não saiu muito bem na foto. É comum vermos casos que só subiram para o segundo grau porque, depois de a travesti ou transexual ter ganhado sentença de primeiro grau, o promotor entrou com recurso (vide apelação 0003073-19.2009.8.26.0663).

E tenhamos em mente que não trago casos antigos. Esses casos foram julgados no ano retrasado, em 2012. E não foram julgados em nenhum estado pobre, não. Estou falando do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo!

Em comparação com outros estados do Brasil, temos o Tribunal de Justiça que mais nega direitos a transexuais e travestis: enquanto a média brasileira é de 30% de indeferimentos nos pedidos de mudança de prenome por travestis, em São Paulo essa proporção é mais que o dobro (62,5%).

Talvez agora tenha ficado claro o tamanho da conquista de Anastácia. Ela pode até ter lutado sozinha e os efeitos da decisão, juridicamente falando, se restringem ao caso dela. No entanto, politica e moralmente falando, essa sentença não se resume a uma decisão individual.

Anastácia pertence a um grupo identitário altamente estigmatizado e marginalizado, em que a solidariedade funciona como um último folego de resistência em meio a tanta hostilidade cultural. Não à toa, vemos travestis andando sempre em grupos de auto-proteção. É por isso que a mudança de nome dessa travesti rondonense é uma conquista de todas as travestis.

Me refiro à afirmação da auto-estima de todas as travestis que se identificam com o sonho de mudar de nome. Imaginem quantas travestis não renovaram suas esperanças ao saber que ainda dá pra encontrar paz num mundo de discriminação – discriminação que, inclusive, muitas vezes parte de nós mesmos que compomos a comunidade de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais!

Ainda, do outro lado dessa relação, podemos notar um processo de interiorização da sensibilidade dos julgadores em relação ao mundo que os cerca. A interiorização é geográfica, isto é, o avanço de direitos LGBT saiu do eixo Centro-Sul e está se capilarizando pelas cidades de médio porte do Norte e Nordeste, a ponto de dar inveja para muita cidade pequena do interior do estado de São Paulo, de onde infelizmente ainda ouvimos chegar muitas histórias horríveis de homofobia.

Num país em que falta legislação federal que padronize e reconheça o direito ao nome social de travestis e transexuais, dependemos da boa vontade e da sensibilidade dos juízes de primeita instância. Por isso, nunca deixemos de comemorar cada sentença favorável.

*Thales Coimbra é especialista em direito LGBT; graduado e mestrando em filosofia do direito pela Faculdade de Direito da USP, onde estuda discurso de ódio homofóbico; é fundador e coordenador do Geds – Grupo de Estudos em Direito e Sexualidade. www.rosancoimbra.com.br/direitolgbt

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