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Disparatada: Cinemão pornô fecha e vira igreja evangélica em Campinas

Sai a tela, entra o altar!

Eu não quis acreditar. Tive que ir ver. Mais um cinema pornô frequentado exclusivamente por homens vira igreja evangélica no centro de Campinas (SP). Pelas redes sociais, descobri que isso não é demérito só da minha cidade.

Mas, não aguentei em ver só a fachada, mesmo sem entrar, espiei como a sala pornô ficou com o altar. Vazia. Nem se compara com as quartas feiras promocionais que garantiam a circulação desejante de mais de 700 homens diante da tela. Dos gemidos dos mais variados atores, e também daqueles menos discretos da platéia, não sobrou nada. Se não se tornaram fiéis, por onde andam todos aqueles clientes?

Algo que também me chamou a atenção foi que a substituição da tela pelo altar não causou alvoroço. Ninguém protestou. Bem diferente de quando este cinema foi inaugurado no centro da cidade. Muitos disseram ser um absurdo, uma vergonha! Também não foi como o fechamento do outro cinema pornô, há alguns anos, maior do que este e em uma localização ainda melhor. Naquela ocasião o secretário municipal de cultura chegou a dizer que o local seria usado dali em diante pelas "pessoas de bem" (entenda-se "pessoas COM bens"), porque viraria um importante centro cultural. Mas quem disse que putaria não é cultura? Ou que não é importante? E que "pessoas de bem" não consomem e nem produzem pornografia?

Contudo, logo após o anúncio do secretário, os proprietários do prédio preferiram não alugar para o prefeito, mas aceitaram a proposta de uma igreja evangélica. Ora, mas quem eram os proprietários do prédio que preferiram o dinheiro do pastor e não o da prefeitura? Quem tinha um imóvel valioso que era usado diariamente para putaria boa e barata? Acreditem, deu nos jornais sem qualquer cerimônia, era os mesmos donos do prédio do hospital SANTA Casa de MISERICÓRDIA de Campinas! Uns benfeitores!

Contradições capitalistas a parte, me lembro que, durante o longo período em que o cinemão ficou fechado, enquanto a passagem da pornografia para as tardes de benção se configurava, uma salinha ao lado da porta principal foi usada por uma destas empresas de "crédito rápido e fácil". A Hebe Camargo fazia a propaganda e estava linda de viver em um painel na entrada do espaço. Um professor meu chegou a se assustar ao imaginar que exibiriam um filme pornô com a Hebe, devido estar mal informado das transformações que o lugar começava a sofrer.

É importante deixar claro que não sou contra a abertura de igrejas evangélicas no centro da cidade, afinal, se os católicos já construíram seus templos há tanto tempo e quase ninguém reclamou, porque recusar a estas novas possibilidades? Mas, acho também que todas as outras expressões religiosas deveriam ocupar a cidade, sejam mais ou menos institucionalizadas, vistas como sendo ou não "de Deus". As lógicas de visibilidade da cidade deveriam privilegiar inclusive os ateus, e sem preconceitos. No entanto, minha frustração se justifica porque creio que a putaria consensual não deveria perder espaço de visibilidade para qualquer coisa que seja, nem para as igrejas.

Até porque sem "pecado" várias orações deixariam de fazer sentido. Inclusive aquelas em que muitos cristãos, nem sempre bem intencionados, insistem em fazer: pedir a conversão sexual de gays e lésbicas em héteros, ou travestis em homens de verdade! Aqueles que quando criticados, costumam esclarecer: "Assim como Deus ama o pecador e odeia o pecado, nós amamos os homossexuais, o que não aceitamos é a sua homosexualidade". Acho que poderíamos apelar no mesmo sentido dizendo: "Nós amamos os cristãos, o que não nos agrada é o cristianismo deles".

No fundo, o que está em meio a esse abre e fecha, esse troca-troca, tira tela e põe altar, tem relação tanto com o mercado como com o estigma do pecado, ou a insana busca para enfrentá-lo. Hoje os desejos inconfessos e as devoções tidas como puras e santas são absolutamente negociáveis sob a lógica do lucro, e evidentemente, em muitos casos inter-dependentes dele.

Se é verdade que os clientes não se converteram em fiéis, ainda que em muitos casos se trate das mesmas pessoas, também é certo que se não escuta os gemidos nos mesmos lugares é porque eles estão em outros. Ou alguém acredita que porque não há cinema não há prazer? Ou que a prece venceu o gozo? Na verdade ninguém virou puritano, nem se tornou menos profano. Pelo contrário, o que se julga como mal por ser pornográfico se reestrutua em meio a outra visibilidade mais lucrativa, a da fé em Deus. Assim, até que outro centro de putaria se estabeleça convidativamente no centro da cidade, tudo vai se adequando para ficar como quase sempre foi, aparentemente puro e santo.

*Tiago Duque é sociólogo e tem experiência como educador em diferentes áreas, desde a formação de professores à educação social de rua. Milita no Identidade – Grupo de Luta Pela Diversidade Sexual. Gosta de pensar e agir com quem quer fazer algo de novo, em busca de um outro mundo possível.

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