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“Homofobia e machismo andam juntos”, diz novo blogueiro da Folha

A democrática e sempre atuante blogosfera brasileira saudou esta semana a estreia de mais um espaço virtual. Ex-titular da coluna GLS da extinta "Revista da Folha", o jornalista Vitor Angelo, 43, passou a assinar, desde a última segunda-feira, o "Blogay".

No blog, Vitor Angelo promete ser uma espécie de mediador das questões entre héteros e gays. Um dos planos do blogueiro é mapear os bares e clubes da região da rua Augusta, em São Paulo, e expô-los com detalhes em sua coluna. Os textos, garante o blogueiro, não serão dirigidos a um único público, mas, sim, a toda a diversidade de gênero e orientação sexual.

Co-autor de "Aurélia – A Dicionária da Língua Afiada" (2006), sobre o chamado pajubá, ou seja, os termos e expressões do universo homossexual, o "Blogay" surgiu para atualizar as discussões sobre a homossexualidade, já que desde abril do ano passado os veículos do Grupo Folha deixaram de abrigar uma seção específica para a comunidade LGBT. "Achei que a Folha estava um pouco atrasada", salienta Vitor Angelo, que promete atualizar a coluna "no mínimo uma vez por semana".

Confira a seguir a entrevista com o blogueiro.

Como surgiu o convite para escrever o blog?
Foi de um papo meio informal com o Sérgio Dávila [editor-executivo da Folha]. Falei que a Folha tinha terminado a coluna GLS, mas não tinha surgido nada no lugar. E ao mesmo tempo ela acabou bem na época da ascensão do Dourado [Marcelo Dourado, ex-participante do BBB10] e dos ataques homofóbicos [em São Paulo]. Achei que a Folha estava um pouco atrasada. Aí ele me escreveu no começo do ano falando: ‘Vamos fazer um blog’. Achava que estava faltando a coisa comportamental, falar dos gays no jornal. Por exemplo, sempre quis fazer um mapeamento da rua Augusta…

E de que forma pretende fazer isso no blog?
Quero falar, por exemplo, do bar do Netão, falar da sua história, captar o espírito da coisa. Quero colocar um monte de fotos. Falar justamente do comportamento, que tem a ver com o gay. Para falar da noite, é inevitável não falar dos gays. A noite é um laboratório de vivência entre héteros e gays, que eu acho muito rico. E é daí que surge a tolerância. Por isso também pretendo falar para os héteros. Outro dia comentei que quem transa com travestis e transexuais é hétero. Ou são homens casados, é bem fetiche do homem hétero.

Mas não é diferente falar para o hétero? Não precisa ter um outro cuidado, por exemplo, com a linguagem?
Teve um hétero que falou que isso era um absurdo [héteros transando com travestis]. E gays também falaram. Mas são comentários machistas. A homofobia e o machismo andam juntos, casam muito bem com a sociedade patriarcal. Existe uma coisa perversa nessa história [de acharem que quem transa com travesti é gay], mas o fato é que é um grande fetiche dos homens. É muito pesado isso. Lembro que falei disso na Revista da Folha, daquela vez tive que maneirar o linguajar, e ainda assim tive uma boa resposta dos héteros. A sexualidade é muito ampla. Por exemplo, tem um caso maravilhoso de uma travesti famosíssima, a Gabi [Gabriella Bionda], que era casada com a Lu [Moreira], uma lésbica, das Mercenárias [banda de rock dos anos 80].

Você foi titular da Revista da Folha e, agora, escreve para um espaço virtual. O que há de intrigante nessa experiência com a mídia on-line?
O impresso dá a ideia de ser mais nobre. Claro que existe isso. Mas o meu espanto foi ver o alcance que eu tive na época da coluna. Recebia cartas etc. Com o blog, o tipo de comentário é diferente. Tem esse fetiche [do impresso], mas é antiquado. O resultado na internet me espantou. O fundo da internet pra mim é político. Nesse sentido, falar com outras pessoas me interessa mais. Acho que o jornal precisava de uma voz que completasse e respondesse essas coisas que estavam acontecendo. Essa coisa da homofobia, do que eu chamo de Contra-reforma, é muito preocupante.

Qual é a importância das redes sociais e da blogosfera para a discussão sobre a homossexualidade (ou da diversidade sexual, se preferir)?
Estamos vivendo um período de quase inquisição. Os héteros não precisam temer nada, são eles que estão no poder. Entendo como uma dissimulação do debate, quando o tirano se finge de vítima. Eu já achava muito importante [ter um blog]. Mas agora creio que é central. Foi bacana saber que gente que eu nem conheço comentou no blog. O blog está aí, mas não está sozinho. O grupo anti-homofobia [que tem perfil no Facebook e Twitter], por exemplo, é prova dessa militância virtual. Foi graças à internet que houve duas manifestações [contra os ataques homofóbicos em SP]. É graças à internet que o [cinema] Belas Artes não vai fechar. Isso não aconteceu do nada, mas por causa de um movimento que a gente viu na internet. Talvez eu pudesse ser muito crítico antes, mas hoje a internet é lugar para disseminar ideias, de discutir e fazer uma ação prática. A internet tem sido esse primeiro passo para alcançarmos uma certa coletividade, como era antes o movimento estudantil. E de uma maneira bem democrática.

Você já comentou sobre a ex-BBB Ariadna no seu site, mas tem acompanhado também a novela Insensato Coração, que promete pelo menos 6 gays na trama? Acha que a abordagem é fiel aos gays?
Somos muito tipos. Tenho amigo bicha que se veste de mulher e outros que são de torcida organizada. A gente é muito diverso, nos colocamos em grupos. Isso sem falar das lésbicas, essas experimentações do masculino e do feminino… Acho que a tentativa é interessante, no sentido de falar sobre todos os tipos. É difícil conseguir fazer um quadro que agrade a todos. Adorei o personagem do [Leonardo] Miggiorin [Roni]. Me cansavam as bichas normativas, os bonitões, que nunca se beijavam, eram perfeitos. Não que eles não existam também, mas é que estava uma visão muito vitoriosa.

Tem medo de censura? Você chegou a sofrer algum tipo de resistência por parte da própria Folha?
Por enquanto, não recebi nada. Na revista tinha um pouco. Não uma censura, mas uma limpeza. Eu sempre escrevia muito a mais. Teve uma vez que falei do sexo anal, e eles não gostaram. Eu entendo. O blog me parece um pouco mais livre…

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