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Judiciário nega pedido de indenização para a trans “crucificada” da parada LGBT

Você se lembra da atriz e militante transexual Viviany Beleboni?

+Fui vítima de discriminação no Carnaval. E agora?

Na Parada do Orgulho LGBT de São Paulo no ano passado, ela ficou famosa por ter protestado contra os crimes de ódio que vitimam nossa comunidade por meio de uma encenação da crucificação de Jesus.

Crucificada do alto de um trio elétrico, Viviany passava uma mensagem clara: assim como erramos ao crucificar Jesus Cristo, uma pessoa inocente, hoje a sociedade erra ao crucificar outros inocentes, no caso a comunidade LGBT.

 
À época, a coragem de Viviany gerou reações explosivas por parte dos conservadores, com um pronunciamento inflamado do senador Magno Malta (PR-ES), que condenou o ato com base em convicções religiosas. Marcado por um viés religioso, seu pronunciamento foi seguido por uma série de ataques verbais e ameaças feitas por desconhecidos contra a atriz. Neles, os típicos haters destilavam ódio, dizendo: “Tem que ser lixado [sic] em praça pública!” e “Gentalha, vagabunda, desclassificada, miseráveis”.
 
E, por isso, em junho do ano passado, a atriz entrou com processo contra o senador na Justiça de São Paulo, no qual solicitava que seu discurso fosse retirado de circulação por incitar agressões contra ela, além de que o mesmo fosse condenado a arcar com o pagamento de indenização por danos morais no valor de quase R$ 800 mil. 
 
Pois bem, o senador apresentou sua defesa e, há algumas semanas, a juíza Letícia Antunes Tavares, da 14ª Vara Cível do Fórum Central de São Paulo, negou os pedidos de Viviany. Para ela, “a demandante [Viviany] não pode se tornar imune a eventuais críticas” e, ao fazer seu ato político, ela assumiu justamente o risco de receber as mesmas.
 
Além disso, para ela, “não houve ofensa à honra da requerente”. O senador, portanto, teria se limitado a condenar a encenação, não a pessoa. Eventuais ofensas e ameaças dos haters não seriam, portanto, de responsabilidade dele, mas de quem praticou esses atos. 
 
Em outras palavras, para a juíza, Viviany assumiu o risco de ser criticada – e isso era previsível considerando sua escolha por fazer uma representação religiosa. Magno Malta, por outro lado, não teria dirigido a palavra a Viviany, mas ao ato em si; qualquer agressão e ameaça praticada por terceiros, não tendo sido incitadas por ele, não poderiam ser de sua responsabilidade – além de tudo, protegida pela imunidade material conferida pela Constituição.
 
Diante desse brave resumo, muitas pessoas podem se perguntar se a decisão teria um fundo transfóbico; afinal, ao se posicionar a favor de um senador tão conservador e reacionário, como Magno Malta, a juíza parece ter sido insensível para com os ataques sofridos pela vítima. 
 
Enquanto advogado e militante pelos direitos humanos, feliz ou infelizmente, acredito que a decisão não foi mal fundamentada, tampouco transfóbica. 
 
Isso porque, juridicamente falando, Magno Malta não responde por atos de terceiros. E insistir na estratégia de responsabilizar juridicamente formadores de opinião pelos atos cometidos por seus seguidores, como se houvesse uma vinculação causal entre eles, não tem se mostrado uma estratégia eficaz dentro do direito, onde a autonomia individual é extremamente valorizada. Isto é, onde cada um responde por seus atos. 
 
Se Magno Malta tivesse incitado seus seguidores a assediar a ativista Viviany, aí sim poderia ser responsabilizado. Mas não foi o que ocorreu. Se Magno Malta tivesse dirigido ofensas a Viviany, aí sim poderia ser responsabilizado. Tudo isso, juridicamente falando, é claro.
 
Politicamente falando, por outro lado, podemos dizer que o discurso de Magno Malta, que trata o protesto de Viviany como “insulto”, incrementa o caldo de cultura que relativiza e banaliza os crimes por orientação sexual e identidade de gênero. Politicamente falando, podemos até lutar por mudanças jurídicas a fim de banir discursos intolerantes, mesmo que não envolvam ofensas pessoais, mas que violem a integridade moral da comunidade LGBT.
 
E por que essa distinção entre o jurídico e o político? Essa distinção existe porque aquilo que é jurídico é exigível por força da lei, inclusive com a força policial se for necessário. Mas o político é aquilo que levamos às ruas como reivindicação. Aquilo que ainda não temos garantido pela lei. Conhecer essa diferença pode ajudar nossa população a saber o que pode e o que não pode ser exigido no Judiciário – caso contrário, nossas batalhas tendem a ser perdidas.
 
No caso do discurso de ódio, juridicamente falando, podemos exigir a condenação das agressões verbais individualizadas, como os xingamentos contra Viviany; podemos exigir a condenação de eventual incitação direta ou indireta à violência e à discriminação, como quando Silas Malafaia mandou a Igreja Católica “descer o porrete” na comunidade LGBT ou quando um outdoor homofóbico foi afixado em Ribeirão Preto. Não podemos, porém, exigir juridicamente que o resto da sociedade concorde com nossas estratégias políticas por visibilidade. Nesses casos, a luta se dá no campo do debate político.
 
Por fim, não quero desestimular nossa comunidade a buscar seus direitos, mas estimular que essa luta se dê de forma bem instruída para que nosso empenho renda bons frutos.
 
* Thales Coimbra é advogado militante e especialista em direito LGBT (OAB/SP 346.804); graduou-se na Faculdade de Direito da USP, onde, entre os anos de 2009 e 2015, fundou e coordenou o Grupo de Estudos em Direito e Sexualidade, e onde cursa hoje mestrado na área de filosofia do direito sobre discurso de ódio homofóbico; também atuou como advogado no Centro de Cidadania LGBT Arouche, da Prefeitura de São Paulo; e escreve quinzenalmente sobre Direitos nos portais A Capa e NLucon. www.thalescoimbra.com.br
 

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