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O que a psicanálise pode dizer sobre as “Terapias de conversão”

Nos tempos obscuros que vivemos aqui no Brasil não raro volta ao debate público a questão da chamada cura gay, direitos a tratamento de gays ou ex-gays e coisas do tipo.

De início é importante que se exponha o que são essas tais "terapias": antigamente elas pretendiam ser uma terapêutica que tentaria mudar a orientação sexual de uma pessoa. Foram todas fracassadas, mas não sem antes levar muitas pessoas a quadros patológicos ou medidas desesperadas (depressão e suicídio dentre outros).

Hoje em dia, como melhor estratégia que os espertalhões desenvolveram a partir do fracasso da primeira, as novas "terapias" se propõe a suprimir a expressão exterior afetiva e sexual por pessoas do mesmo sexo (como se sexo biológico, orientação sexual e gênero fossem uma coisa só) e que a pessoa conseguisse, através de estratégias desenvolvidas na "terapia", manter relações heterossexuais convencionais, ainda que internamente seus desejos não se alterassem, mas que fossem suportados em silêncio.

O "refinamento" teórico destes "terapeutas" está em afirmar que qualquer sexualidade que não a padrão seria uma doença incurável, só que crônica e com a ajuda deles seria passível de ser "tratável" (leia-se: estratégias para não concretizar nenhum ato sexual fora do padrão e tampouco expressar os desejos socialmente).

Aqui cabe um retorno ao Freud de até mesmo antes da fundação da psicanálise: lá pelo começo da década de 1890 Freud já estava começando a perceber que se ele quisesse minimamente entender e fazer intervenções terapêuticas ele necessitaria primeiro escutar, fazendo um esforço imenso para escutar com o mínimo possível de ideias pré-concebidas para só então, a partir do que escutou, fazer uma intervenção. Ele rapidamente descobriu que juízos de moral não ajudavam em nada, ao contrário, apenas faziam as pessoas que ele atendia se calarem. E então ele funda o que seria um dos pilares fundamentais da psicanálise: da parte do paciente era pedido que falasse livremente, sem censura, ou seja, a chamada associação livre. É claro que isso exigia uma contrapartida por parte do analista: não haveria um julgamento moral do paciente e o sigilo ético seria mantido.

Com isto, Freud buscava fazer duas coisas: uma era entender cada paciente singularmente, indo atrás dos pontos únicos daquela pessoa (ideias e emoções específicas, sua história). Outro era elaborar teorias que dessem conta de como as pessoas funcionam, de quais princípios gerais regem a vida psíquica humana. E para fazer essas duas coisas era imprescindível que a pessoa se sentisse a vontade para falar livremente.

Foi justamente por sustentar radicalmente a associação livre que ele pôde elaborar cada vez mais a psicanálise e abrir questões fecundas que até hoje são debatidas e desenvolvidas. Ou seja, era fundamental que o psicanalista não tentasse de modo algum "enquadrar" o analisando em um molde pré-concebido. Aqui já é possível perceber a diferença radical entre uma postura freudiana e a postura destes tais "terapeutas".

Enquanto Freud pedia a voz dos analisandos e buscava trazer os conflitos para que a própria pessoa pudesse pensar sobre eles e elaborar, com seu analista ou entre as sessões, respostas para sua própria vida, estes "terapeutas" pedem o silêncio, ditam o que pode e o que não pode, como tem que ser e como é proibido ser. Coisa curiosa a que chegou Freud em anos posteriores: ele afirma expressamente que a psicanálise não era uma Weltanschauung, ou seja, que não era um saber que ditaria uma visão de mundo, que não cabia à psicanálise ditar como as pessoas deveriam ser ou se comportar. A psicanálise estaria a serviço de pensar como o ser humano funciona, seus mecanismos, sua lógica, sua constituição, expor seus conflitos, mas jamais legislar como cada pessoa deve viver sua vida, ditar uma moral (social ou íntima) ou fazer juízos de valor. A angústia de não se ter respostas prontas para viver permite às pessoas criarem suas próprias respostas: angustiante por um lado, libertador por outro.

Já pelo lado dos atuais "terapeutas" homofóbicos fica a questão: o que os tais "terapeutas" podem aprender sobre os seres humanos silenciando-os? No máximo podem desenvolver técnicas mais elaboradas sobre como "moldar" pessoas ou silenciá-las ainda mais, custando o sofrimento que custar.

Leandro Salebian é psicólogo (CRP 06/99001) graduado pelo Instituto de Psicologia da USP. Já trabalhou na área da saúde mental em um CAPS Adulto e hoje se dedica exclusivamente ao trabalho em consultório particular. Segue sua formação estudando autores da Psicanálise e tem um olhar crítico e atento às questões de gênero e diversidade sexual. Na primeira semana do mês publica uma coluna e na terceira responde um internauta. Para enviar uma pergunta ou sugerir temas escreva para: leandrosresponde@gmail.com . Acesse também seu site ( www.leandrosalebian.com.br )

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