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Um ano sem Claudia Wonder

"Você precisa aprender a caminhar sozinho". Essa foi a última frase que escutei de Claudia Wonder no dia 24 de outubro de 2010. Nem eu e nem ela esperávamos que dois dias depois, no Centro de Referência e Tratamento, em São Paulo, ela diria adeus. Minha amiga Claudia morreu aos 55 anos, vitima de uma infecção causada por um fungo encontrado nas fezes de pombo.

De fato foi muito difícil passar um ano longe de Claudia e, como ela disse, caminhar sozinho. Tenho que reconhecer, contudo, que a travesti que conheci não era exatamente aquela que se jogava nua na banheira de groselha, lembrada pelos frequentadores do Madame Satã nos anos 80. Nem a que investia em dublagens na boate Nostro Mondo. Tampouco aquela das pornochanchadas, bebidas, shows de rock (Jardim das Delícias e Truque Sujo), drogas e festas memoráveis ao lado de personalidades célebres como Cazuza, Caio Fernando Abreu, Zé Celso…

A Claudia que conheci mesmo foi a do cotidiano.

Quem é amigo de travesti? Em festas, paradas e grupos de militância é fácil chamá-las de lindas, tirar fotos, dizer que não tem preconceito. Mas quem traz uma travesti para a sua própria vida? Pois era nessa manada de respostas negativas (que muita gente vai relutar a entregar) que eu sentia nela uma extrema solidão. Afinal, era darling, respeitada, elogiada, mas cercada de amigos cometas… Aqueles que até são e foram importantes, mas que passam. E passam, mesmo.

Não foram poucas vezes que a vi reclamar, fazer monólogos de solidão, chorar, brigar, principalmente quando eu mesmo deixava de visitá-la em uma semana. "Amizade é como uma plantinha, se você não regar ela morre", disse-me uma vez. E no mesmo dia lá estava eu em seu apartamento na nobre Haddock Lobo, local habitado por ursinhos misteriosos, pin-ups, Marylins e até Teletubbies.

Aliado ao preconceito oferecido a toda trans, Claudia caminhava também para outro lado da moeda: o de envelhecer e já não ser tão requisitada. O resultado era o mesmo de toda personalidade célebre à mercê da indústria midiática que busca a toda hora o novo. Assustei-me, por exemplo, quando uma revista gay negou-se a entrevistá-la. Sim, uma revista gay! Me disseram: "entrevista com travesti? Jamais! Gay não compra!". Aff…

Mas também fiquei feliz quando assisti a seu documentário "Meu Amigo Claudia" (de Dácio Pinheiro) e ainda quando fui responsável por sua ida ao ENUDs (Encontro Nacional da Diversidade Sexual) no dia 10 de outubro, em Campinas. Neste dia, vi uma plateia de jovens a aplaudir em pé. Foi sua última aparição em público.

Caminhei sozinho desde então, claro, mas Claudia continuou presente neste ano. Seja por tudo aquilo que conversamos e que repercute até hoje, ou pelas obras e objetos que chegaram às minhas mãos. Hoje, conheço muito mais a Claudia atriz, cantora, militante e performer graças ao material oferecido pelo auxiliar administrativo Marcelo Linardi, o fã e amigo Elzio Zoyde, e os jornalistas Vitor Ângelo e Eduardo Moraes.

Depois de passar vários meses triste, relembrei por acaso de nossa última conversa, das frases que vieram antes do "Você precisa aprender a caminhar sozinho". Claudia disse: "não tenha medo de nada. O grande culpado de tudo que atrapalha nossa vida é o medo. Tudo vai dar certo, você vai ver".

Claudia… Sempre maravilhosa, sempre Wonder. Que saudade!

*Colaboração para o site A Capa

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